quinta-feira, novembro 27, 2008

O Amor Está No Ar

Este é um pequeno aparte apenas para me inteirar se andam a ver a mesma televisão que eu. Não sei se têm reparado bem no programa da Champions League ou se preferem prestar atenção àquelas coisas supérfluas que são os golos de Messi e os desastres de Caneira, entre outras coisas menores que só distraem o verdadeiro apaniguado do futebol.
Eu noto sobretudo na camisa desabotoada da Inês Gonçalves e no esforço titânico que o pobre António Tadeia desenvolve para continuar a debitar umas palermices sobre sistemas tácticos e jogadores em baixa de forma. Aposto que o Tadeia vai todas as semanas para o estúdio pensando repetidamente “não quero saber qual é a cor do soutien dela, não quero saber qual é a cor do soutien dela, não quero saber qual é a cor do soutien dela, não quero saber qual é a cor do soutien dela”, mas quando dá por ele já está a descair o olhar para a bonita, e provocante, Inês. E ontem até aconteceu uma sensual falha técnica no laptop da Inês que a forçou a dobrar-se perante as câmaras, para aí entre os olés das bancadas de Alvalade e a diplomacia mais que politicamente correcta de Guardiola, algo que deve ter alagado Tadeia de suores frios. Infelizmente, a falha técnica foi demasiado curta para nos permitir dizer com clareza se o soutien era branco ou apenas transparente.
Sugestão para o Tadeia: que pense ou que fale em coisas como o nariz do Kiki, o lado esquerdo da face do Nito, o Luisão como um todo, as costas peludas do Luís Filipe Vieira ou as unhas negras dos pés do Ronny, mas que as interiorize e visualize bem: vai perder logo a vontade toda de mergulhar nos olhos e no regaço da Inês.
Is this love that I'm feeling
Is this the love that I've been searching for
Is this love or am I dreaming
This must be love
'Cos it's really got a hold on me
A hold on me

segunda-feira, novembro 24, 2008

Os Caça-Fantasmas (revistos)

Ano: 1996.

Facto: Criação do maior fantasma vivo do futebol português.













Pois… Não era bem este. Era mais este que está aqui em baixo à esquerda – abstenham-se das outras distracções, em especial o sujeito de tronco nu que exibe uma compleição física excelente para a prática do berlinde.















Solução: contratar um caça-fantasmas. Ou melhor, dois… não vá a porca torcer o rabo.

Apreciações iniciais do caça-fantasmas #1Popeye Wozniak:









Apesar de não ser o melhor dos cartões de visita, ainda se notava algum optimismo e esperança. Pobres ingénuos.

Apreciações iniciais do caça-fantasmas #2 – Um escandinavo chamado Lars, mas não Ulrich:









Havia uma certa desconfiança logo à partida, o que não augurava nada de bom ao sueco contratado com a missão expressa de eliminar as memórias de Baía. Afinal, estas cadernetas até chegaram a louvar a acutilância ofensiva de Bermúdez e o fino recorte técnico de Glenn Helder

Conclusão: OK, Caça-Fantasmas foi um bom filme, mas isto na vida real é outra coisa.

Não é, Lars?

sexta-feira, novembro 21, 2008

Questões de pilosidade e donuts

Visualizando este anúncio docinho (que deverá ter grosso modo a idade do João Moutinho), saltam-me à vista várias coisas.

A primeira é uma quantidade apreciável de fernandinhos (vulgo perdigotos) vindos da insuspeita boca do Chumbinho, que não se cala por ter sido convocado para o próximo jogo do líder Leixões.

A segunda é a forma como toda a voz-off do anúncio (até perguntarem ao afável senhor de bigode se quer um donut) faz lembrar aqueles graciosos sorteios do totoloto na RTP2: "UM. SETE QUATRO SEIS DOIS UM. CINCO MIL COOOONTOS."

A terceira é a aparição do sempre providencial Augusto Inácio aos 17 segundos do vídeo. Já desconfiava que o repugnante Foolad porventura pagasse em géneros, mas sempre pensei que fosse em fígado de Maki fatiado, e nunca em donuts. Mas estamos sempre a aprender. Pronto, alguns de nós, pelo menos.

A quarta coisinha simpática que me salta à vista é a evolução pilosa do senhor do bigode. Aquele sedoso e compacto capacete castanho faz pendant com o galante e formoso bigode que afirma com vigor: "Sim, sou jovem, mas banho-me em sabedoria com toda a minha portugalidade em jogo."
Porém, o cenário actual é bem mais peçonhento. Como qualquer indivíduo moderno e desempoeirado, o professor decidiu seguir a dantesca tendência contemporânea e trinchar a carismática pilosidade supra labial. Mas as coisas não ficaram por aí, e o destino traiu-o. O destino e também o realizador do mais recente Brasil-Portugal. É que durante o infame desafio, o referido operário televisivo decidiu focar repetidamente as dificuldades capilares do seleccionador nacional, que exibia um vincadíssimo penteado à FC Oporto early 90's, do qual André, Semedo, Magalhães e Bandeirinha eram os mais dignos portadores.

A quinta situação de relevo é a qualidade quasi-nostradâmica que um simples (mas pungente) anúncio de donuts pode revelar.
Senão vejamos:
"Saem dois com leite."
"Um normal."
"Um cortado."
"Outro normal."
"Um duplo."

E depois, o afável senhor do bigode pede "o do costume".

Se - tal como eu - não tinham nada que fazer e contaram a quantidade de donuts pedidos no reclame, fico feliz em partilhar convosco a informação de que foram oito. Oito, "as in" 6+2.

Será que na realidade, tal como no nostradâmico comercial, Augusto Inácio irá seguir as pisadas do afável senhor do bigode, e pedir um donut fresquinho?

Foolad tem mais encanto, na hora da despedida...

P.S.: Aproveito para endereçar um Filgueira ao leitor simõesonov, por nos ter dado a conhecer mais uma pérola youtubiana. E para vos pedir que votem na actual Pollga, pois iremos fechá-la na noite de 21/11 e há 15 gajos empatados. Bem Hajam.

segunda-feira, novembro 17, 2008

Isto É Classe

Isto é classe. Isto é jogo. Isto é… Joilton!
Ah, Joilton, Joilton… deixaste a tua marca bem vincada na fase dourada do União da Madeira. E nas pernas do Sérgio Lavos também, de tão loucos que eram os treinos da multinacional madeirense.
As opiniões dos seus ex-colegas dividem-se: para Zivanovic, Jokanovic, Dragan, Lepi, Manu, Rodrigão, Jovo e Simic Joilton era um “brgwerky centralovsky” ou “um cara muito legal, jóia meismo”; para o Nelinho era “mais um brazuca”; e Milton Mendes nem sequer se pronunciou, acometido por um usual ataque de riso.
Certo é que Joilton aprendeu a fazer balões à lá Grimi, embora com menor frequência e amplitude, enquanto defendeu as cores auri-celestes do União. Quiçá por ter bebido os ensinamentos inscritos nuns papiros manuscritos encontrados numas escavações efectuadas na zona adjacente aos balneários dos Barreiros – esse estranho local onde subsiste um marcador manual em plena era digital. Papiros que se pensa terem sido escritos por S. Quiñonez e cujo valor é hoje tido como incalculável. Antes disso, Joilton nem sequer distinguia bola do jogador e levava tudo à frente.
Mas como tudo o que é bom tem um fim e “gratidão” é palavra que não costuma figurar nos dicionários de bolso dos jogadores de futebol, Joilton não gostou de estar uma época nas divisões secundárias e não resistiu ao canto de sereia lançado pelo Sp. Espinho para voltar a jogar nos grandes palcos em 1996/97.
E assim o vemos, já com uma técnica que pede meças aos grandes astros futebolísticos. O toque de peito é magistral, a bola quase que pára no ar de tanto deleite e o paradoxal patrocínio do Solverde escrito a vermelho estica-se numa manifestação de regozijo por ser parte activa neste acto de puro prazer técnico.
Joilton evoluíra muito. Pudera: em 1996, o velho futebol português encontrava um novo fôlego em Espinho, consubstanciado em elementos de pura magia lusitana como eram Besirovic, Gilsinei, Cleberton, Lipcsei e Dagoberto. Isso bastou para contagiar positivamente o outrora bruto Joilton. Ele sentia-se em casa, como já se sentira na Madeira. Mais do que Soeiro, Bolinhas ou Bruno Magano, esse pequeno patife em época de debute, cuja língua era mal percebida pelos colegas.

Ao fim de dois bonitos jogos, Joilton fez um exame à sua consciência e tomou uma decisão:
- Ué, gosto muito de dar um toqji dji peito para a foto, mais não será melhó um cara bonito como eu vendê bolinha na praia? Ocê vai vê, áis garota si vão dobrá a meus péis!...
Ou seja, deixou Espinho e foi para Esmoriz, vender bolas de Berlim de qualidade duvidosa para a Barrinha, entrecortando essa actividade com mais uns toques acrobáticos na agremiação local. Foi um sucesso relativo: no futebol, Joilton prosseguiu a sua trajectória ascendente e até conseguiu dar um toque com o ombro na bola (lamentavelmente, foi no início dum treino à noite e o fotógrafo não tinha flash); mas na praia a única grande amizade que conseguiu foi com a D. Adosinda, sexagenária com um bigode um pouco mais saliente que o do Rosado.
A determinada altura, sentiu saudades de dançar o bailinho da Madeira. E também de fugir aos beijos mais que húmidos da D. Adosinda. E lá foi ele de regresso à ilha para uma última época.
Depois disso? Não se sabe bem. Joiton desapareceu dos radares. O seu legado, contudo, permanecerá: depois da mão de Maradona, da cabeça de Jardel e do apito do Paixão, há o peito de Joilton. Também há o peito da ex-mulher do Beto, mas em termos estritamente futebolísticos a peitaça de Joilton ganha. E nem sequer tem silicone.

quarta-feira, novembro 12, 2008

Vamos Ser Amigos?

Olá!
Gostas de futebol? Adoras brincar ao Football Manager e ao PES e julgas que treinar uma equipa a sério são favas contadas? Não trocas o teu perfume Brut pelo curso de treinador? Então temos tudo para nos darmos bem!
Sou fisicamente robusto, culto e carinhoso e gosto de dizer que a culpa é sempre dos outros. Nos meus melhores dias, já acusei quatro ou cinco entidades diferentes de terem perturbado o meu trabalho (incluindo, em simultâneo, entidades divinas da Grécia antiga e o cão do porteiro que urinou a jante do meu cabriolet).
Sou também extremamente competente e capaz de feitos extraordinários. Por exemplo, assim de repente, consegui levar 4 batatas do Nacional em casa quando estava a treinar o campeão mundial. Nem o Prof. Jesualdo com os dentes mais mal lavados desde os tempos dos saloons texanos conseguiu tal façanha.
Dou-me bem com as crianças e a prova disso foi a galhofa com que as camadas jovens viveram os jogos sob meu comando.
As más-línguas invejosas dizem que sou parecido com o Luís Campos. É mentira. Ele é que quer ser parecido comigo. Mas não vai conseguir, porque já tem grandes e horríveis entradas no cabelo e os fatos Armani caem-lhe mal.
Também fui sindicalista com grande mérito, mas aviso desde já que não contem comigo para manifestações e coisas do género, que tenho o cabeleireiro marcado para as três da tarde e uma sessão de massagens logo a seguir. E também não tenho esmolas para dar, deixei a carteira em casa.
Se servir para alguma coisa, sou sobrinho-neto do Peyroteo. Se não servir, paciência, continuo a ter um aspecto bastante sexy.
Por favor, não te atrases, que o Inverno está a chegar e aqui no Báltico o ventinho corta que é uma coisa parva. Vem rápido antes que se me gretem as mãos.
As respostas devem ser encaminhadas para o e-mail mostcharmingmanager.oftheworld@couceiro.lt
Beijinhos.
Do fofo,

sexta-feira, novembro 07, 2008

Pepitas...de ouro?

Já alguma vez se interrogaram sobre a similaridade entre as bolachas chipmix, o Nuno Afonso, o Gorbatchev e o Amoreirinha?

Pois claro que sim. Pergunta idiota, ou não fosse esse um tema recorrente em cada reunião dos A.A.
Pelo menos foi o que o Mário Jardel nos disse, e desde que o homem começou a usar aqueles tradicionais chapéus da experiência-futebol, que se destacam por ser um misto de trolha, guarda-chuva minimalista de cidadão sénior e olheiro do Beira-Mar, que nós não duvidamos da sua palavra.

A resposta mais corriqueira à questão apresentada é "obviamente que todos têm características típicas de um atleta de alta competição, menos o Nuno Afonso."
Teremos que concordar: é mesmo a abordagem mais lógica, principalmente desde que o ex-titular da Selecção Olímpica de 1996 perdeu uma competição de penalties contra um pacote de Chipmix por 5 a 2. Mas tinha desculpa: eram daquelas com chocolate extra.

















Mas na realidade, a solução para o quebra-cabeças será outra: o factor enjoo.
Comer chipmix em excesso provoca náuseas, o futebol(?)de Amoreirinha é de vómitos, Gorbatchev estava enjoado do comunismo, e diz-se por aí que o Nuno Afonso é extremamente parecido com um Ethan Hawke prestes a regurgitar.

Porém, terei novamente que desenhar uma nota negativa nesta sebenta comparativa.
Parece que - com a euforia típica inerente às breaking news - o noticiário das cinco da manhã na Suazilândia informou o Mundo de que o elemento comparativo entre estes quatro será mesmo o leite. Motins irromperam um pouco por todo o País, grupos de homens insanos por verem o Mundo ruir à sua volta queimaram quintas e florestas, de tocha em punho.
Posters de Amoreirinha - carinhosamente conhecido no País africano pelo seu nome de baptismo, Eurípedes Adão - foram impiedosamente rasgados pelas adolescentes suazilandezas.
"Nós ser traídas por Xaman Eurípedes Adão!Revolta ser demasiada e dor insuportável!"

Mas a realidade está aqui, e terá que ser aceite: a pepita de chocolate que cada um deles exibe orgulhosamente na testa liga extremamente bem com leitinho morno. Palavra de Washington Rodríguez.

Venham Como São

As semelhanças entre Novoselic e Soares Franco não se resumem apenas ao plano físico.
Ambos são igualmente conhecidos pela sua rebeldia: enquanto que Novoselic amassava baixos no final das suas actuações, Soares Franco simulava que comia a sopa, quando na verdade a mandava pelo cano abaixo e com isso recebia as prendinhas todas no Natal.
Também ambos exibem um fascínio especial pela cultura irlandesa: Novoselic aprecia a Guinness, Soares Franco inclina-se mais para o Jameson.
E assim como Novoselic arranha uma língua que poucos compreendem, o croata, Soares Franco fala algumas vezes sem que ninguém o entenda.
As maiores diferenças estão mesmo no campo desportivo: é que dizem que Novoselic é um grande adepto do Sporting.

terça-feira, novembro 04, 2008

O Repouso É Uma Coisa Boa, Mas O Tédio É Seu Irmão

Henri Antchouet, o furacão do Gabão, está de volta.
Bem, não totalmente. Por enquanto, Antchouet nem tempestade tropical é. É que Antchouet, que deixou saudades no Leixões e n’ Os Belenenses, tentou imitar Caniggia e Jardel e… deu-se mal. Ficou suspenso por dois longos anos e precipitou-se assim o fim da estadia deste ex-padeiro no excitante Larissa. Os relvados ficarão para depois.
Paralelamente, a relação aparentemente extra-conjugal que Antchouet mantinha com a femme fatale que pulverizou o seu sonho helénico também se feriu de morte. Antchouet não quer envolver-se com uma pessoa cuja inteligência lhe leva a despejar preciosa cocaína dentro dum copo de bebida. E, pelo sim, pelo não, vai passar a beber aguinha mineral sozinho no WC.
Enfim, decidido a recuperar rapidamente a forma que o notabilizou, Antchouet regressou à fábrica dos sonhos que é o futebol português. E, dentro do amplo leque de opções ao seu dispor, escolheu o melhor de entre os melhores: o LEÇA FC.
Embora admitindo que este não será o seu clube na próxima época, compreendendo que o elevado prestígio do emblema leceiro seria demais para um simples gabonês apanhado no controlo anti-doping, Antchouet vai treinando, agradecido, no espaço que outrora foi de Serifo, snifando a mística do balneário verde-branco. “Snifar” talvez não seja o verbo mais adequado, mas sempre dá um aspecto mais cool do que “inalar”.
A Cromos da Bola, SAD mantém a secreta esperança de ter convencido Antchouet a decidir o seu destino ao ter publicado o épico Tetra Post em honra à glória leceira. E é bem possível: Antchouet está à coca das novas tecnologias e é ele também um blogger, polvilhando aqui e ali um pouco do seu perfume a golo no éter da WorldWide Web. Escrevendo em português, francês e inglês. Podem ver o poliglota Antchouet AQUI e enviar-lhe uma mensagem de força ou algum objecto de valor (uma peça de joalharia seria bem aceite). Mas também podem mandar-lhe outra coisa que julguem relevante, desde que não envolva pó branco. Evitem também mandar-lhe farinha para não forçar comparações embaraçosas.

sábado, novembro 01, 2008

Vela ao Vento

Quem não se lembra de André Carica? Quero dizer, André Carioca? Ou melhor, André Kayak? Isto é, Андрей Каряка?
Pois é, Andrei Karyaka, esse fulgurante… hã… jogador – salvo erro – nascido na Ucrânia e adoptado voluntariamente pela Grande Mãe Rússia. Palmas para ele.

Facundo Quiroga até estremeceu com a estrondosa ovação enquanto preparava o seu rodízio numa rústica paisagem argentina: “¿Quién? Sí, como podría olvidarlo – ¡ese chico es muy precioso! Me encantarán sus goles. O mejor, su gol”. Mas Lucas Mareque, sempre mais lesto a prender o cabelo do que a perceber que o futebol é um jogo em que é permitido utilizar os dois pés para endossar o esférico, tratou logo de emendar o distraído colega: “Pero… ¿que goles, coño? ¡Ese tío fue la nueva Lady Di del fútbol portugués!”
E por muito que nos custe admitir, Mareque até tinha razão.

Karyaka sempre vivera naquele grande fausto que era a antiga URSS. Para quem não se lembra, havia por lá tudo do bom e do melhor. Todos eram príncipes e princesas no conto de fadas soviético que ia de Kalingrado a Vladivostok. Ele era prosperidade, rublos a transbordar dos bolsos, carros de luxo, viagens de sonho pelos alvos campos da Sibéria, iguarias do requinte do caviar distribuídas às pazadas pelos robustos trabalhadores metalúrgicos, alegria e prazer a rodos, etc.. Tudo à grande e à russa, tudo desde que o stock de vodka continuasse lá por cima. O futebol era somente mais um passatempo diletante.

E quando o venturoso Andrei recebeu o convite do clube da (até então) corajosa águia Vitória, nem pensou duas vezes:
- Vou sair do maior país do mundo para ir para o melhor clube do mundo: parece-me justo.
Mas, fatalmente, Karyaka havia sido vítima de publicidade enganosa.

A vida em Lisboa revelar-se-ia dura e difícil. Aguentar as dolorosas condições do quotidiano lisboeta do início do século XXI não era exequível nem sequer para quem tivesse resistido ao desastre de Chernobyl. Para mais, partilhando os balneários com gente diabólica da laia de Manduca ou Laurent Robert.

Foi um choque. Cedo se apercebeu que afinal o Benfica e Castelo Branco de Lisboa não era o Spartak da Luz que julgava vir encontrar. Mas o pior era a cidade em si, autêntico pardieiro devastado e sem lei, onde minas e armadilhas se escondiam em cada lomba da 2ª Circular. “Portugal é um país atrasado. Penso que Lisboa está 20 anos atrás de Moscovo. É uma aldeia grande”, referiu o desgostoso Andrei, abrindo o coração para os sempre quentes e afáveis compatriotas. E estava a utilizar toda a sua refinada diplomacia.

Andrei não conseguia render o esperado. Como podia? Ia ao WC, ou seja, urinar no Tejo, e, mal voltava as costas, já estava a mandar abaixo aquela construção de fósforos que era a Ponte 25 de Abril com o cotovelo. Cuspia para o chão e provocava uma catastrófica inundação de Sete Rios ao Campo Grande. Queria o esplendor dos grandes bazares russos mas o máximo que tinha era meia-dúzia de retrosarias e leitarias de aspecto familiar – e a mais tradicional de todas era justamente aquela que tinha ao pé do seu estádio. Saía à rua para passear tranquilamente e era todo um exército de mendigos, maltrapilhos e Missés-Missés a agarrarem-no e a pedirem-lhe algo, uma moeda, um autógrafo ou um pequeno ar de modernidade. Espirrou uma vez e com isso riscou a Feira Popular do mapa. Tanta exiguidade exasperava-lhe.

Tanto que confessou: “Não há lugar para as crianças brincarem na rua”. Oh!, as crianças não têm espaço! Grave burburinho se levantou. Um Monsanto não chegava – dois ou três miúdos enchiam aquilo tudo, inutilizando o que encontrassem pela frente em menos de nada; que saudades dos grandes parques temáticos e super-divertidos da glamourosa Moscovo! O que seria feito das crianças? Pobres crianças.
Estava explicado o porquê da sua distância durante os jogos. Era o bem-estar das crianças. Não tinha nada a ver com falta de habilidade. E este é um álibi mais efectivo do que muitos poderiam pensar. Por exemplo, é comum jogadores que vêem um miúdo a chorar na bancada perderem a vontade de jogar. Pelo menos, foi o que eu ouvi o Lito Vidigal dizer.
Andrei sofria pelas crianças, sofria com as crianças, fazia sofrer o treinador e os adeptos pelo seu sofrimento, mantinha uma relação afastada com a bola e o mal-estar exponenciava-se. Nascia um mártir.

Estava bom de ver que o cosmopolita e gigante Karyaka não podia ficar por cá muito mais tempo, desperdiçando o seu talento oculto. A UNICEF veio em seu auxílio e atribuiu-lhe o estatuto de embaixador. E Karyaka abandonou este cantinho apertado e inseguro com a sua prole faminta de espaço para um clube adequado às suas ambições: o FC Saturn. Saturno, esse sim, um planeta com a dimensão certa para Karyaka.

As crianças que por cá permaneceram neste cubículo atroz ficaram tristes. Mas por pouco tempo. Miguel Floribella Veloso estava a dar os primeiros passos nos tapetes lusos, despertando uma magnetização crescente junto dos garotos deslumbrados com o aspecto feérico da sua cabeleira. Porém, o primeiro grande humanista que se designava futebolista já tinha deixado a sua marca: Karyaka – a Lady Di do futebol português.

Estiveste mesmo bem, Mareque. Que pena só ter sido desta vez.
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